sexta-feira, 4 de abril de 2014

água puída








somos cinco sob a árvore. alguns passantes vêem um sobrado, outros um forte, mas se trata de uma árvore secular. há ernesto, que nos atravessa com seu pavor no instante da partida, enquanto nós estamos cercados pela espera de sua volta. a contar por nosso calendário, ernesto só viverá novamente quando se cumprir mais uma quina de anos. a esse tempo, pisamos a terra calcinada e nossos ossos, junto às sementes, formam um nó cego no corpo. nada pode faltar a ernesto, como a nenhum filho. não podemos revelar que achamos esse princípio de igualdade injusto. nossa mãe, com hera nas mãos, sussurra que injustiça é a privação de ernesto. privação de nos ver sem ser visto, de nos tocar sem ser tocado, de ser o único a ouvir a própria voz ecoar terra afora chamando por nós. quanto oceano, mãe, ainda nos vestirá até o pescoço? nossa mãe diz, na hora da prece, que, por nossos passos, ernesto sentirá que há chão; por nossos olhos, verá o longe  para que ele não seja, noite e dia, o dia afogado em seus pés que não viram o rio sem fundo. ernesto é a última criança que correu para o rio. a nós restaram a água puída e o seu aquário. 






fotografias     b. berenika
palavras     luciana marinho

Partilha

Nome

E-mail *

Mensagem *