sexta-feira, 18 de maio de 2007

Memórias Íntimas: nosso Mundo com Rosângela Rennó

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Rosângela Rennó constrói sua obra a partir da apropriação de imagens alheias - fotografias e negativos - retiradas da "vala comum do esquecimento". Imagens encontradas em arquivos públicos, em lixos de studio fotográfico, achados de álbuns de família, fotos 3x4. Após sofrerem intervenções feitas pela artista - por meio de ampliações, rasuras, desbotamentos, dentre outros processos - essas imagens são relançadas ao mundo simbólico.

Entretanto, ao serem novamente objeto do olhar e conteúdo da memória, não guardam mais rostos definidos, um sujeito que possa ser identificado facilmente. Essas fotografias, ao fazerem o percurso do esquecimento à reintegração ao olhar social, trazem-nos a reflexão sobre a perda de nossa memória afetiva, social, cultural.

Deparamo-nos, assim, com um tema constante na sua obra, a impossibilidade de conceber o Outro. Isso se materializa após as intervenções da artista, principalmente nos rostos contidos nas imagens das quais se apropria. Esses rostos, perdidos nos arquivos e lixos públicos, continuam não percebidos pelo nosso olhar - obstruídos por sombras, embaçamentos - quando ressignificados após as alterações. Perpassado de simbolismos, encontramos já no primeiro gesto da artista, o de coletar e se apropriar de imagens "esquecidas", um tema a ser discutido, uma poética da existência, como Rennó aponta:

A idéia de margem nos meus trabalhos corresponde ao que quase pula para fora do circuito dos objetos. O que quase vai para o lixo. Interesso-me pelo material, pois me leva a pensar em que medida posso determinar que uma coisa não serve para absolutamente mais nada. Trata-se de uma questão de atribuição de valor, e meu trabalho sempre começa pelo questionamento da atribuição de valor. Em fotografia, podemos falar de valor estético, valor documental, valor simbólico, valor sentimental... então, quando se destinou uma imagem ao lixo, significa que ela perdeu muita coisa.

Rosângela Rennó

Dialogar com suas imagens e palavras requer do leitor uma abertura para a tensão e para uma certa insônia diante de um mundo inflado de símbolos. Diante do estranhamento desse universo reconstruido, fica-nos a sensação imprópria de que imagem e título "quase" se autodeterminam, como tudo que acrescenta algo por se desviar do viés da redundância.



Fotografia: Estado de Exceção, 1988, Rosângela Rennó.
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domingo, 13 de maio de 2007

"O Céu está no Chão"

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[Chão . Fotografia tirada no Instituto Ricardo Brennand
Luciana Marinho . 2006]

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Prefiro as máquinas que servem para não funcionar:
quando cheias de areia de formiga e musgo - elas
podem um dia milagrar flores.

(Os objetos sem função têm muito apego pelo abandono)

Também latrinas desprezadas que servem para ter
grilos dentro - elas podem um dia milagrar violetas.

(Eu sou beato em violetas)

Todas as coisas apropriadas ao abandono me religam a Deus.

Senhor, eu tenho orgulho do imprestável!
(O abandono me protege)

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Manoel de Barros

em Livro sobre Nada

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